sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Gosta de arquitetura e arte? Veja o que a Bienal de Veneza de 2012 revelou sobre a relação entre elas


De visualidade tecnológica, o acesso às informações no pavilhão da Rússia acontece de modo intermediado: através  do acionamento de QR codes
De visualidade tecnológica, o acesso às informações no pavilhão da Rússia acontece de modo intermediado: através do acionamento de QR codes
Etérea ou documental, dinâmica ou estática
Bienal após bienal, no Brasil e no exterior, é recorrente o discurso de que o arquiteto tem que sair da caixa e se comunicar claramente, sem vícios ou cacoetes profissionais, com os seus pares e com o público em geral. O que tem a dizer a esse respeito o conjunto das expografias que protagonizam a bienal de Veneza deste ano, um dos mais importantes eventos da área, em coerência, visitação e escala?
No geral, a Bienal de Arquitetura de Veneza está bastante tradicional no quesito expor arquitetura. A linguagem é mesmo a de arquiteto para arquiteto, o que, por um lado, amplia o contato do visitante com a inteligência do criador - pequenos croquis e algumas anotações revelam muito da personalidade e do momento criativo -, mas por outro torna maçante a visitação.
Não há tempo nem paciência suficientes para esmiuçar livros de projetos, maquetes entre vidros ou vídeos que demoram para apresentar a questão ou o contexto a um espectador que tem ainda pela frente mais de uma centena de discursos.
De visualidade tecnológica, o acesso às informações no pavilhão da Rússia acontece de modo intermediado: através  do acionamento de QR codes
De visualidade tecnológica, o acesso às informações no pavilhão da Rússia acontece de modo intermediado: através  do acionamento de QR codes
De visualidade tecnológica, o acesso às informações no pavilhão da Rússia acontece de modo intermediado: através de esferas que são de lentes de aumento
De visualidade tecnológica, o acesso às informações no pavilhão da Rússia acontece de modo intermediado: através de esferas que são de lentes de aumento
Mas, levando em conta a diversidade de conteúdos da bienal - tanto nos exercícios da mostra central do evento quanto nas retóricas dos países em seus pavilhões individuais -, o que se percebe do estado da arte ou de possíveis caminhos para a expografia e, consequentemente, a comunicação da arquitetura neste século 21?
Abstração: artística e tecnológica
Rússia e Polônia, dois dos países agraciados com menção honrosa pelos projetos das mostras nacionais, optaram pelo terreno da abstração, quando não se vê, diretamente, aquilo que se está vendo.
O primeiro o fez através do viés tecnológico, digital, em que começam a imperar os dispositivos QR code, a redução do termo em inglês que designa rápida resposta a um código.
São, em suma, aqueles códigos de barras em forma de mosaico, adotados radicalmente no pavilhão russo como placas indistintas de pisos, paredes e tetos. E só.
De visualidade tecnológica, o acesso às informações no pavilhão da Rússia acontece de modo intermediado: através de esferas que são de lentes de aumento
O belo pavilhão da Finlândia, construído há 50 anos segundo desenho de Sverre Fehn, usou a tecnologia QR code para preservar o estranhamento causado pela mostra. As informações, como no pavilhão russo, são intermediadas por esse sistema
O belo pavilhão da Finlândia, construído há 50 anos segundo desenho de Sverre Fehn, usou a tecnologia QR code para preservar o estranhamento causado pela mostra. As informações, como no pavilhão russo, são intermediadas por esse sistema
Não se tem nenhuma menção direta a projeto arquitetônico nesse espaço que trata da criação, em andamento, de um polo tecnológico na cidade de Skolkovo; e o acesso à informação, oculta nos falsos revestimentos luminosos, ocorre intermediada por um tablet de manipulação individual.
Os visitantes carregam os aparelhos e se dedicam a encontrar o enquadramento e as distâncias capazes de carregar remotamente o conteúdo, o que é desconfortável (é recomendável estar com as duas mãos livres para empunhar o tablet e responder aos comandos da tela), desagradável (os esbarrões são inevitáveis) e dificulta a memorização global do projeto.
Sei que Rem Koolhaas, David Chipperfield, Kazuyo Sejima e Pierre de Meuron participam do trabalho em Skolkovo, mas não saberia aproximar a escala global da intervenção ou as posições relativas entre o trabalho de cada arquiteto. A comunicação, nessa mostra, é muito mais de uma marca do que de um projeto propriamente dito.
A abstração polonesa trilha a seara artística, de comunicação sensível da arquitetura através da audição, do tato e da visão.
Asking Architecture, mostra da Eslováquia/ República Tcheca, baseia-se também no acesso virtual à informação digital, com o espaço físico completamente esvaziado
Asking Architecture, mostra da Eslováquia/ República Tcheca, baseia-se também no acesso virtual à informação digital, com o espaço físico completamente esvaziado
Asking Architecture, mostra da Eslováquia/ República Tcheca, baseia-se também no acesso virtual à informação digital, com o espaço físico completamente esvaziado
O país, que até recentemente esteve imerso em um otimismo imobiliário, pisou no freio na exposição em Veneza e guiou a percepção do espaço físico da mostra através da calmaria da reverberação homogênea do som no ambiente simétrico, emitido por caixas acústicas ocultas nas paredes. Outras iniciativas apresentadas na bienal corroboram essa aproximação artística ou emocional à arquitetura.
Documental: estático e interativo
Na linhagem documental, a mais comum à arquitetura - de exibição de desenhos, anotações, fotografias e maquetes que apresentam em minúcias os processos de desenvolvimento dos projetos -, a corda pendeu para as exposições estáticas, de um lado, e as interativas, do outro.
Um belo exemplo do primeiro tipo é aquela eleita pelo júri da bienal a melhor mostra nacional do evento: Possible Here? Homefor- All, do Japão.
É primorosa a interação de mídias orquestrada por este retrato do processo de concepção do projeto coletivo de Toyo Ito, Kumiko Inui, Sou Fujimoto e Akihisa Hirata, com o fotógrafo Naoya Hatakeyama, para um centro comunitário, que se encontra atualmente em construção. O local foi desenhado para reunir os moradores do assentamento temporário de Rikuzentakata, atingida pelo tsunami de 2011.
Fotografias, vídeos, desenhos, modelos experimentais e a maquete principal estão distribuídos com densidade e pormenores tais que, num rápido reconhecimento do espaço, já se percebem as várias etapas e os atores da empreitada, assim como o material simbólico do projeto (a madeira/ floresta, enquanto local de relaxamento) e o ponto de chegada: a concepção, pelos quatro arquitetos, de um centro comunitário, cuja maquete ocupa uma das laterais da sala.
Projeções de imagens enquadradas como fotografias em papel e uma foto panorâmica envolvendo a sala, com a linha do horizonte alinhada ao nível atingido pelas águas do tsunami, são poderosas ferramentas de contextualização da tragédia e, então, da ação de resgate empreendida pelos profissionais japoneses.
Já a mostra da Romênia, intitulada Play Mincu: The Architecture Stamp, é hábil em manipular pequenos objetos - selos postais e artefatos de estamparia em relevo são os seus ferramentais - para falar de um assunto extenso: a arquitetura moderna romena, sua figura fundacional (Ian Mincu, que completaria cem anos em 2012) e seu duplo aspecto cultural/ normativo-institucional.
São utilizados múltiplos instrumentos de interatividade (física, através dos aparelhos para uso do visitante; visual, com lupas para a prospeção dos selos que ilustram obras modernas; e auditiva, quando o ato de estampar aciona uma instalação sonora para cada espectador), que tiram partido da variedade e profundidade do conteúdo expositivo.
O aspecto etéreo da mostra da Croácia, com projeções audiovisuais em tecidos, serve de meio à denúncia ácida do grupo de arquitetos Pula Group sobre a natureza comum das opressões espaciais e sociais na cidade
O aspecto etéreo da mostra da Croácia, com projeções audiovisuais em tecidos, serve de meio à denúncia ácida do grupo de arquitetos Pula Group sobre a natureza comum das opressões espaciais e sociais na cidade
O aspecto etéreo da mostra da Croácia, com projeções audiovisuais em tecidos, serve de meio à denúncia ácida do grupo de arquitetos Pula Group sobre a natureza comum das opressões espaciais e sociais na cidade
A projeção mapeada nas quatro paredes da sala totaliza os recursos expositivos da The Why Factory, desenhada pelo escritório MVRDV
A projeção mapeada nas quatro paredes da sala totaliza os recursos expositivos da The Why Factory, desenhada pelo escritório MVRDV
Esquemas horizontal e vertical de distribuição do som no pavilhão da Polônia, cuja instalação sonora abstrai a arquitetura enquanto meio de delimitação espacial
Esquemas horizontal e vertical de distribuição do som no pavilhão da Polônia, cuja instalação sonora abstrai a arquitetura enquanto meio de delimitação espacial
Esquemas horizontal e vertical de distribuição do som no pavilhão da Polônia, cuja instalação sonora abstrai a arquitetura enquanto meio de delimitação espacial
Por caminho similar se movimenta o pavilhão dos Estados Unidos (também agraciado com menção honrosa), que, embora desprovido de projeções audiovisuais ou instalações sonoras, oferece ao visitante níveis diferentes de acesso à informação sobre a série de projetos urbanos informais em curso no país.
Pôsteres pendurados no teto, diagramas impressos no chão e contrapesos nas paredes contextualizam, descrevem e qualificam as intervenções, com bem-vindo didatismo.
Esquemas horizontal e vertical de distribuição do som no pavilhão da Polônia, cuja instalação sonora abstrai a arquitetura enquanto meio de delimitação espacial
 
Instalação artística do lighting designer italiano Mario Nanni
Instalação artística
do lighting designer
italiano Mario Nanni
Lembrando a bienal artística de Kazuyo Sejima em Veneza, em 2010, a representação aqui é a de uma garagem em desuso, parte de uma residência montada por cinco arquitetos norte-americanos na mostra 13178 Moran Street
Lembrando a bienal artística de Kazuyo Sejima em Veneza, em 2010, a representação aqui é a de uma garagem em desuso, parte de uma residência montada por cinco arquitetos norte-americanos na mostra 13178 Moran Street
Expondo fotografias, vídeos, modelos e desenhos arquitetônicos, o pavilhão japonês foi hábil em organizar a informação em diferentes níveis de leitura
Expondo fotografias, vídeos, modelos e desenhos arquitetônicos, o pavilhão japonês foi hábil em organizar a informação em diferentes níveis de leitura
Pensando nos múltiplos recursos para comunicar arquitetura atualmente, acredito que essa artesania das mostras de caráter documental (pegando carona no termo discutido por Frederico Duarte no artigo publicado nesta edição) de Veneza, quanto mais interativas melhor, justificam a viagem, o contato presencial com a expografia arquitetônica. Aos QR codes, por ora, melhor reservar o acesso remoto.


Texto de Evelise Grunow
Publicada originalmente em PROJETODESIGN
Edição 392 Outubro de 2012
Expondo fotografias, vídeos, modelos e desenhos arquitetônicos, o pavilhão japonês foi hábil em organizar a informação em diferentes níveis de leitura
 
Fotografia panorâmica ambienta  mostra Public Works, do OMA
Fotografia panorâmica ambienta mostra Public Works, do OMA
Fotografia panorâmica ambienta  mostra Public Works, do OMA
Fotografia panorâmica ambienta mostra Public Works, do OMA
A também documental mostra do espanhol Juan Herreros é de leitura mais tradicional (arquiteto para arquiteto) do que a japonesa
A também documental mostra do espanhol Juan Herreros é de leitura mais tradicional (arquiteto para arquiteto) do que a japonesa
O chileno Alejandro Aravena deu caráter artesanal à mostra sobre dois projetos emergenciais do Elemental no Chile
O chileno Alejandro Aravena deu caráter artesanal à mostra sobre dois projetos emergenciais do Elemental no Chile
O chileno Alejandro Aravena
deu caráter artesanal à mostra
sobre dois projetos emergenciais
do Elemental no Chile
Interessante a menção à população e ao território através do trabalho manual na madeira, mas difícil a visualização dos pequenos monitores que transmitem imagens dos locais de projeto
Interessante a menção à população e ao território através do trabalho manual na madeira, mas difícil a visualização dos pequenos monitores que transmitem imagens dos locais de projeto
Interessante a menção à população e ao território através
do trabalho manual na madeira, mas difícil a visualização
dos pequenos monitores que transmitem imagens dos
locais de projeto
Grande diversidade de suportes e objetos integra a mostra inglesa
Grande diversidade de suportes e objetos integra a mostra inglesa
A mostra romena comemora o centenário de nascimento de Ian Mincu, figura fundadora da escola moderna de arquitetura no país. Interativa, utiliza selos postais e seus instrumentos de confecção para o uso dos visitantes
A mostra romena comemora o centenário de nascimento de Ian Mincu, figura fundadora da escola moderna de arquitetura no país. Interativa, utiliza selos postais e seus instrumentos de confecção para o uso dos visitantes
A mostra romena comemora o centenário de nascimento de Ian Mincu, figura fundadora da escola moderna de arquitetura no país. Interativa, utiliza selos postais e seus instrumentos de confecção para o uso dos visitantes
A mostra romena comemora o centenário de nascimento de Ian Mincu, figura fundadora da escola moderna de arquitetura no país. Interativa, utiliza selos postais e seus instrumentos de confecção para o uso dos visitantes
Didático e interativo, o pavilhão norte‑americano recebeu menção honrosa entre as representações nacionais. Cada superfície e cada objeto revelam aspectos de uma mesma informação, numa mostra com denso conteúdo
Didático e interativo, o pavilhão norte‑americano recebeu menção honrosa entre as representações nacionais. Cada superfície e cada objeto revelam aspectos de uma mesma informação, numa mostra com denso conteúdo
Didático e interativo, o pavilhão norte‑americano recebeu menção honrosa entre as representações nacionais. Cada superfície e cada objeto revelam aspectos de uma mesma informação, numa mostra com denso conteúdo
Didático e interativo, o pavilhão norte‑americano recebeu menção honrosa entre as representações nacionais. Cada superfície e cada objeto revelam aspectos de uma mesma informação, numa mostra com denso conteúdo



Fonte: Arco Web

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