O icônico projeto do Yas Viceroy Hotel, em Abu Dabi, tem cobertura em grelha que funciona como grande luminária
Foto: YAS VICEROY HOTEL
Foto: YAS VICEROY HOTEL
Arquitetos trocam desenho pela nuvem
Há tempos que a disputa Macintosh x PC saiu do foco do desenho de arquitetura. Na última década, disseminaram-se aplicativos para ambos os sistemas operacionais, que possibilitam a modelagem tridimensional do projeto arquitetônico e a sua associação ao ambiente BIM - sigla em inglês para Modelo de Informação do Edifício, que é a conectividade em tempo real de todos os elementos da arquitetura e desta com os sistemas, engenharia e fabricação. Mais do que uma questão estilística, trata-se do papel da arquitetura digital no perfil do arquiteto deste século.
O primeiro escalão da arquitetura mundial está de olho no Brasil. Dia a dia vão se confirmando, no Rio de Janeiro, em São Paulo e outras capitais brasileiras, projetos de Herzog & De Meuron, Norman Foster, Santiago Calatrava, Diller Scofidio + Renfro, sem contar as investidas ainda em curso de outros arquitetos estrangeiros no país.
Para Phillip Bernstein, vice-presidente de assuntos estratégicos da Autodesk - empresa que roda o mundo estudando a mecânica de trabalho desses profissionais -, o sinal é de tensão no ar. Ele visualiza o iminente choque da cultura arquitetônica brasileira com a dos Estados Unidos e da Europa.
Bernstein se refere ao íntimo envolvimento dos arquitetos estrangeiros com a construção de suas propostas, enquanto no Brasil, ele analisa, é um erro que o papel desse profissional se restrinja habitualmente aos projetos arquitetônico e executivo. “Como é que se garante a construção dos seus projetos?”, questiona.
A torre tem textura intrincada, decorrente da combinação de três tipos de painéis - Foto: DAVID SUNDBERG/ESTO
Skyline do Lower Manhattan, junto ao rio Hudson, com a presença da Beekman Tower no centro - Foto: DBOX
Para o executivo da Autodesk, encontramo-nos frente à difícil tarefa de repensar o desenho, bidimensional e fragmentado, como meio primordial de comunicação do arquiteto com a indústria da construção, um assunto já amplamente debatido no exterior na última década.
Trata-se da modelagem digital da arquitetura através de softwares de desenho tridimensional e de sua associação ao ambiente BIM.
Ou seja, da interação em tempo real de todas as ações feitas em qualquer dos elementos da edificação, assim como da conectividade da arquitetura com o sistema global da construção: infraestrutura, engenharia, sistemas, fabricação.
Para Bernstein, que aponta o desenho em nuvem - a disponibilidade de softwares de desenho e gestão da arquitetura pela internet - como o tema da vez, a arquitetura digital tem impactado a formação da nova geração de arquitetos.
“Leciono há dez anos na Yale [School of Architecture] e percebo que, nesse período, mais do que dobrou a quantidade de modelos, físicos e digitais, que os alunos produzem.
Essa nova geração está apta a experimentar mais e a agir ativamente no planejamento da construção dos seus projetos”, ele arremata.
O revestimento externo confere caráter escultural ao projeto, associando painéis retos e curvos - Foto: DBOX
A vista de Manhattan a partir de um terraço da Beekman Tower - Foto: DBOX
O caso Beekman Tower
Também entre os veteranos da arquitetura mundial a criação digital continua dando o que falar. Frank Gehry, pioneiro e um dos mais notáveis entusiastas do assunto, lançou mão desse recurso a fim de viabilizar a construção da Beekman Tower, um edifício de 78 andares e mais de 900 apartamentos, inaugurado em novembro e localizado em Manhattan, próximo da ponte do Brooklyn.
Gehry utilizou o Digital Project, software que ele mesmo formatou em 1992 para projetar a escultura em forma de peixe que adorna a zona portuária de Barcelona.
O software foi aperfeiçoado em 1997, em meio ao desenho da fachada de titânio do Museu Guggenheim de Bilbao, e, em 2002, aberto para a comercialização, com a criação da empresa Gehry Technologies, que presta consultoria de BIM, comercializa o produto e capacita arquitetos a trabalharem com o Digital Project.
O plano original era setorizar a Beekman Tower, que tem desenho escalonado, para aluguel das unidades de base e venda das localizadas no gomo superior do edifício.
Mas a crise econômica que os Estados Unidos amargam desde 2008 reconfigurou o empreendimento, que foi totalmente destinado à locação.
O projeto se viu, então, diante de uma encruzilhada envolvendo a redução de custo e a integridade da expressão arquitetônica, marcada pela interessante textura da pele que reveste a edificação.
Nesse ponto, explica Craig Webb, sócio de Gehry, já se tinham abandonado os rebuscados estudos volumétricos iniciais - foi feita mais de meia centena de modelos físicos na escala 1:500, a proporção de todas as primeiras maquetes dos projetos de Gehry - em favor da aparência sólida da edificação.
Ou seja, da nítida demarcação das suas arestas verticais, pois “morar na mais alta torre de Nova York depois do 11 de setembro requer alguma noção de segurança, de estabilidade”, ele explica.
Esboços de Frank Gehry
A fachada retorcida personaliza os apartamentos, cada qual com a sua disposição de janelas - Foto: DBOX
Parte dos modelos 1:500 produzidos no escritório de Gehry na fase de concepção da volumetria - Foto: GEHRY PARTNERS
Por outro lado, a forma em T foi a mais propícia entre as estudadas pelo time de arquitetos para a torre, porque disponibiliza o maior número de apartamentos de canto.
Setorização da torre - Imagem: GEHRY PARTNERS, LLP
“Janelas em quina são mais interessantes, geram melhores vistas”, salienta Webb.
De qualquer modo, o maior impacto para a viabilização econômica do projeto de Gehry era o custo da fachada, composta por três tipos de painéis de aço inoxidável: reto (junto às janelas e arestas da edificação), de curvatura suave e de curva acentuada, listados em ordem crescente de custos de fabricação e montagem.
O diálogo sistemático da arquitetura com o fabricante e com o empreendedor através dos programas de modelagem digital e gerenciamento BIM acabou por garantir a integridade da textura do desenho de Gehry, compondo-se a fachada com 10% de painéis de curvatura acentuada, 40% de curvatura suave e os demais planos.
Uma aparência rebuscada pelo preço de um edifício tradicional, em forma de caixa, arremata Webb.
De qualquer modo, o maior impacto para a viabilização econômica do projeto de Gehry era o custo da fachada, composta por três tipos de painéis de aço inoxidável: reto (junto às janelas e arestas da edificação), de curvatura suave e de curva acentuada, listados em ordem crescente de custos de fabricação e montagem.
O diálogo sistemático da arquitetura com o fabricante e com o empreendedor através dos programas de modelagem digital e gerenciamento BIM acabou por garantir a integridade da textura do desenho de Gehry, compondo-se a fachada com 10% de painéis de curvatura acentuada, 40% de curvatura suave e os demais planos.
Uma aparência rebuscada pelo preço de um edifício tradicional, em forma de caixa, arremata Webb.
Modelo 1:1 para estudo de um tipo de composição da fachada - Foto: GEHRY PARTNERS
A disposição em escamas dos mais de 5 mil painéis de vidro da cobertura contou com a tecnologia BIM de projeto e gestão da obra
Foto: YAS VICEROY HOTEL
Foto: YAS VICEROY HOTEL
Artista do século 21
A Beekman Tower faz pensar no papel do arquiteto do século 21. Quanto mais ferramentas digitais houver para a visualização, experimentação e intervenção no sistema global da construção, mais responsabilidades se agregam ao trabalho do profissional.
Para Bernstein, chegou ao fim a era da representação arquitetônica renascentista, composta pelos desenhos isolados de planta, corte e vistas.
“A criação nunca perderá a ligação com o mundo físico, com os esboços e maquetes reais, mas há uma nova sensibilidade sobre como traduzir o desenho em artefatos construtivos”, ele analisa.
“Mas se ainda assim os arquitetos quiserem se manter no pedestal do artista escultor, vão ter que deixar a cargo dos construtores as decisões de obra. Acho uma pena, que seja assim, porque é a obra construída que comunica a cultura do projeto.”
Nesse sentido, Denis Shelden, diretor da Gehry Technologies - que há alguns anos passou a trabalhar também em parcerias com arquitetos do calibre de Zaha Hadid, Herzog & De Meuron e do escritório Asymptote, de Nova York, prestando consultoria de modelagem BIM -, salienta que há diferenças geográficas da cultura da construção.
O que não é necessariamente um fato negativo, já que “Gehry fez o que fez em Bilbao porque ninguém pensava que não poderia ser feito”, ele analisa.
O projeto faz parte do complexo da Yas Marina e tem acesso direto ao mar
A grelha, misto de metal e vidro, recobre, com seu desenho orgânico, a implantação em T do hotel
Foto: BJORN MOEEMAN/CORTESIA ASYMPTOTE
Foto: BJORN MOEEMAN/CORTESIA ASYMPTOTE
Em sua opinião, assim, outra vantagem do desenho tridimensional e da parametrização da arquitetura (agregar informações aos modelos 3D) é reverter o “controle de cima para baixo do processo, em que uma pessoa apenas toma decisões e os outros a seguem”. Pelo contrário, tornou-se viável a incorporação da cultura construtiva local aos projetos de grande escala.
Uma das obras-primas arquitetônicas em que Shelden gerenciou o sistema BIM recentemente é um hotel concebido pela equipe de Hani Rashid e Lise Anne Couture, do escritório Asymptote, para a Yas Marina de Abu Dabi.
Denominado Yas Viceroy Hotel, trata-se de uma construção predominantemente horizontal e com implantação em forma de T (como o projeto de Gehry), em meio à qual passa um trecho da pista do circuito local do Grande Prêmio de Fórmula 1. As duas alas do hotel estão conectadas por passarela suspensa sobre a pista de corrida.
Além da complicada infraestrutura e serviços de um hotel de luxo, com 500 quartos e 12 restaurantes, a edificação demandou um requintado sistema de planejamento, orçamento e condução da obra, sobretudo no que diz respeito à casca em forma de grelha que recobre e interliga visualmente os dois blocos da edificação, feita com mais de 5 mil peças de vidro em forma de losango.
O desenho orgânico da cobertura faz com que cada módulo de vidro tenha angulações específicas para se ajustar à casca, demanda que esteve sob o gerenciamento da plataforma BIM.
A etapa Abu Dabi do Grande Prêmio de Fórmula 1 passa em meio ao hotel
O mesmo vale para os pilares em V de sustentação da cobertura, independentes da estrutura principal do edifício, dimensionados e implantados segundo as análises digitais de carregamento da casca de metal e vidro. Resultaram pilares delgados e dispersos assimetricamente em torno do hotel.
O que acomoda o vidro à malha são conectores circulares, como amortecedores, que terminam ainda em luminárias de led.
O que acomoda o vidro à malha são conectores circulares, como amortecedores, que terminam ainda em luminárias de led.
As luminárias acopladas à cobertura podem mudar completamente, com a cor, a aparência do hotel
O lobby e a recepção são ambientes etéreos, caracterizados pelo desenho orgânico do mobiliário e pela cor branca dos revestimentos
Vista da piscina circular
Fonte: Arco Web
Nenhum comentário:
Postar um comentário