Apenas a regulação pública seria eficaz para prevenir os efeitos danosos que os 'produtos não-saudáveis' (cigarros, bebidas alcoólicas e alimentos ultra-processados) exercem sobre as doenças crônicas, como obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e certos tipos de câncer.
"Há várias alternativas para lidarmos com o problema, mas a principal está em conseguir colocar a questão na agenda política da sociedade civil e dos partidos políticos", aponta o professor Carlos Augusto Monteiro, da USP, um dos autores de um artigo sobre o assunto publicado na renomada revista médica Lancet.
De acordo com o artigo, as indústrias que vendem "mercadorias que produzem doenças" não poderiam ter nenhum papel na formação nacional ou internacional de políticas de combate a essas doenças.
O texto descreve a evolução mundial das vendas dos 'produtos não-saudáveis', mostrando um enorme crescimento nos países de baixa e média rendas e examina as estratégias utilizadas pelas indústrias transnacionais para minar políticas públicas que poderiam inibir o crescimento do consumo pela população.
As barreiras já foram vencidas no caso do tabaco, estão sendo enfrentadas no caso do álcool, mas ainda são praticamente inexistentes no caso dos alimentos danosos à saúde.
Indústrias dos "produtos não-saudáveis'" não poderiam interferir nas políticas públicas. [Imagem: Marcos Santos/USP Imagens] |
Alimentos ultra-processados
Os pesquisadores brasileiros criaram o conceito de ultra-processamento dos alimentos.
"São mesclas de substâncias extraídas de alimentos, como óleos, gorduras, açúcares, amidos, ou de outros componentes processados a partir dessas substâncias, como gorduras hidrogenadas, proteínas hidrolizadas, amidos modificados, adicionadas de conservantes e de aditivos cosméticos e que contêm pouco ou nenhum alimento integral na sua formulação", define o pesquisador.
Se consumidos ocasionalmente, eles não prejudicam a saúde. "Mas o que se vê em todo o mundo é a rápida substituição das dietas baseadas em alimentos por produtos prontos para consumo e os ultra-processados," complementa.
São exemplos de alimentos ultra-processados pães industrializados, produtos panificados, biscoitos, salgadinhos, barras de "cereal", "cereais matinais", guloseimas em geral, embutidos, "nuggets", sopa instantânea, macarrão instantâneo, refrigerantes, "bebidas esportivas" e outras bebidas açucaradas.
Segundo o professor, a legislação no Brasil praticamente ignora os alimentos ultra-processados graças ao eficiente lobby exercido pelas grandes e poderosas indústrias de alimentos que controlam o setor. "Já houve várias tentativas ensaiadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária [Anvisa] mas nenhuma chegou a ser implementada. Mas o setor vem sendo regulado de forma crescente em outros países do mundo."
"O lucro auferido com a comercialização desses produtos é investido pesadamente em campanhas publicitárias. A conveniência, acessibilidade e hiper sabor desses produtos, somados às campanhas publicitárias, explicam o seu crescimento em todo o mundo", completa, lembrando que um grupo de pouco mais de uma dezena de transnacionais domina esse mercado.
"Essas estratégias incluem ainda um sistemático trabalho visando sabotar qualquer tentativa de regulação do setor", alerta o pesquisador, a exemplo do que fez a indústria do tabaco no século passado.
As barreiras já foram vencidas no caso do tabaco, estão sendo enfrentadas no caso do álcool, mas ainda são praticamente inexistentes no caso dos alimentos danosos à saúde. [Imagem: Marcos Santos/USP Imagens] |
Dieta baseada em alimentos
A regulação necessária para esse setor deve envolver a restrição de publicidade, do uso de aditivos, da rotulagem efetiva de produtos e, sobretudo, taxas específicas de impostos.
Para evitar isso, "as indústrias tentam cooptar políticos e autoridades e, lamentavelmente, também pesquisadores e instituições acadêmicas," denuncia o pesquisador.
Segundo Carlos Augusto, os trabalhos realizados no Brasil e em vários países da América Latina, Estados Unidos, Canadá e Europa, em colaboração com pesquisadores locais, indicam que a dieta tradicional, baseada em alimentos, é, nutricionalmente, muito superior àquela baseada em produtos ultra-processados.
"As principais diferenças são quanto à maior densidade energética e ao maior conteúdo de açúcar, gordura saturada e gordura trans e sódio nos produtos ultra-processados, e menor conteúdo de fibras e micronutrientes, muito maior na dieta tradicional," explica ele.
A formulação de alimentos ultra-processados visa obter produtos de baixo custo pouco ou nada perecíveis, intensamente palatáveis e prontos ou quase prontos para consumo. "Esses produtos têm baixo custo e estão associados a altíssimas margens de lucros para as empresas que os produzem", finaliza o professor.
Fonte: Diário da Saúde
Nenhum comentário:
Postar um comentário